ao canto do cisne do regime de Tony Blair.
O fim do <em>New Labour </em>e do <em>blairismo</em>
Foi ontem, quarta-feira, 27, que a Grã-Bretanha, sufocada e desiludida por um sistema de governo impróprio de uma democracia que o primeiro-ministro Tony Blair lhe impusera, se viu livre daquela que se transformou, gradualmente, na mais detestada personalidade política que ocupou o N.º 10 de Downing Street desde há 150 anos. Com efeito, Blair trabalhava segundo uma espécie de governo pessoal a que o país não estava habituado. Subjugava-o pelo uso de uma enorme falsidade.
Na realidade, o primeiro-ministro do New Labour, trabalhava para interesses que não eram os do povo britânico. Mas tudo terminou ontem quando, perante o gáudio das nações britânicas, ele foi a Buckingham Palace humilhar-se perante Isabel II, dizendo-lhe: «O meu Partido já não me quer. Correu comigo, alteza. Chame outro para governar». Foi doloroso para alguém que dirigia este país com extrema vaidade, mas vencera três eleições gerais em 1997, 2001 e 2005.
Tony Blair, subira ao poder num ambiente festivo e de considerável esperança no futuro após uma esmagadora vitória eleitoral que pôs fim aos governos conservadores de Margaret Thatcher e John Major. Mas acontecimentos de certo modo inesperados, como a guerra no Iraque em que fez mergulhar a Grã-Bretanha num conflito assassino que o seu povo não queria, deram-lhe uma impopularidade de quase desconhecido nível no país. O desdém e a forma rude como reagiu a essa impopularidade levaram-no a viver dias da mais ridícula defesa da sua aliança político-militar com George Bush, dias que ofenderam toda a Grã-Bretanha. Aos poucos, Blair perdeu a confiança do Partido Trabalhista, dos sempre influentes meios da comunicação social, dos Sindicatos e do povo. Tornou-se numa espécie de Richard Nixon britânico, a polícia a bater-lhe à porta por ter oferecido posições no pariato e na Câmara dos Lordes a quem fizesse donativos financeiros ao New Labour. Nunca, entretanto, perderia a confiança das entidades patronais nem a do governo de Washington. Tony Blair era e é, na verdade, um agente ao serviço do capitalismo. Serviu-o, diligentemente, e é por isso que o presidente americano o encarregou já de representar os interesses imperialistas ante os protagonistas dos conflitos no Médio Oriente. A pátria de Blair, um distinto ‘barrister’ no sistema judicial britânico, não é a Grã-Bretanha, isso está provado desde há muito. A sua pátria é o capitalismo.
Bye-Bye, Tony Blair!
Hostilizado no Partido Trabalhista, até por muitos que o acompanharam mas vinham desertando o seu campo, uns após outros, Blair, viu-se obrigado a inventar um programa de saída do lugar de primeiro-ministro em condições que não lhe tirassem os últimos vestígios daquela dignidade que se reserva, normalmente, a quem está no lugar de primeiro-ministro de um país como a Grã-Bretanha. Assim, nos últimos tempos, andou a visitar as tropas britânicas estacionadas em Bassorá e no Afeganistão, a dizer-lhes adeus entre sorrisos para as fotografias e para a televisão enquanto o país chora as baixas constantes de que o Ministério da Defesa lhe dá conhecimento. Todos os dias morrem soldados naqueles teatros de guerra. Mas ninguém vê Blair lamentar essas vidas jovens que tombam. Pelo contrário, acha que o sangue vertido pelas centenas de soldados que pereceram ou acabaram nos hospitais representa uma contribuição britânica justa e válida para que o capitalismo prossiga na sua marcha assassina e louca e faça das ruínas do Iraque uma florescente democracia num Estado de direito, o que, sinceramente, só nos pode fazer rir. Também visitou países africanos e passou à Conferência dos chamados G8 para acabar em Bruxelas diante dos representantes dos países da União Europeia.
A época de Blair
A época de Blair, cheia de um imenso espectáculo e de uma constante e profunda retórica, caracterizou-se, especialmente, por uma constante estabilidade no campo da economia, mas a especulação trabalhou à vontade, os bancos realizaram lucros astronómicos e o endividamento dos britânicos, chamados a participar nos festins do capitalismo, fica a ensombrar-lhes o futuro. Apesar de algumas realizações, como a paz na Irlanda do Norte, a implementação do salário mínimo e a constante defesa de meia dúzia das velhas cidadelas imperiais perante os assaltos da Comunidade Europeia, a criminalidade avançou de maneira revoltante, os serviços da saúde pública, atacados por mil companhias privadas, perderam eficiência e popularidade, a Escócia foi deixada resvalar mais para fora do controlo de Westminster, o fosso que separa os ricos dos pobres alargou-se, escandalosamente. Mas o tempo do mais jovem primeiro-ministro britânico desde lord Liverpool, ficará para sempre marcado pelas circunstâncias traiçoeiras em que empurrou o país para as guerras do Iraque e do Afeganistão e pelo desprezo que revelou quando, praticamente em peso, a Grã-Bretanha lhe disse que não queria essas guerras por saber que eram novas aventuras que o imperialismo impunha e só lhe trariam dor, assombro e morte.
Ainda no domingo, 24,em Manchester, quando as nomeações de Gordon Brown e Harriet Harman para os lugares de líder e de vice líder do Partido Trabalhista se formalizaram entre grandes ovações, uma enorme manifestação se apresentou no exterior do salão de conferências onde aquela cerimónia teve lugar. Eram milhares de pessoas que exigiam o repatriamento das tropas que lutam sem glória mas com enormes sacrifícios naqueles países. É que a Grã-Bretanha, ao contrário de Tony Blair, não esquece os seus mortos e teme pela sorte dos que permanecem. O país sabe, a classe trabalhadora sabe, toda a gente sabe que a guerra no Iraque é um crime contra a Humanidade. Mas Blair e Bush tratam os mortos com desprezo, ignoram-nos, distanciam-se.
Gordon Brown investido
no cargo de Primeiro-Ministro
Desde há muito que a Grã-Bretanha sabe que Gordon Brown sucederia a Tony Blair. Neste país, os políticos são eleitos em representação dos partidos. Logo, o mandato conferido aos trabalhistas nas últimas eleições gerais será mantido, ainda, por mais dois anos e meio. É por isso que não se realizarão eleições, apesar da campanha mistificadora dos conservadores liderados por David Cameron. E dado que o Labour continua a manter uma maioria absoluta de 67 deputados na Câmara dos Comuns, a rainha, ontem, só teve de perguntar: «Quem é, agora, o principal dirigente político do vosso Partido?» E tendo-lhe sido dito que era o advogado escocês, Gordon Brown, ela disse: «Muito bem. Então mandem-no cá ao Palácio». E foi mais ou menos assim que Mr. Brown foi investido no cargo de primeiro-ministro. Para muitos, Gordon Brown, representa o fim da fantasia, o reaparecimento de alguma estabilidade nas actividades governamentais. O povo britânico, que talvez preferisse uma figura mais risonha, mais rodeada de floreados, está na expectativa. Mas o advogado escocês promete um bom trabalho. A sua ambição consiste em desmontar por completo o circo de Blair e chamar os britânicos à luta por causas sérias e sólidas. Espera governar a contento do povo britânico de modo a poder apresentar-se nas próximas eleições já com obra feita. O teatro acabou. A partir de agora, quem quiser teatro vai ao Globe ou ao Old Vic ou, ainda, ao novo Estádio de Wembley. Entretanto, quem preferir teatro ininterrupto, todos os dias, todos os anos, mas com novos protagonistas, diariamente, que vá ao Old Bailey, ali em Chancery Lane, onde as peças em representação, sendo todas diferentes, são todas iguais. É o espectáculo da vida no maior tribunal deste país numa época difícil em que Tony Blair deixou as prisões completamente atestadas. O grande espectáculo do N.º 10 de Downing Street, já não tem público e, por isso, estão a desmontá-lo. Os Pickfords, das mudanças, já estão à porta a descarregar a mobília da família Brown que chegou de Edimburgo. A mulher, Sarah, e os filhos, pequenos, do novo ocupante da histórica residência, estão impacientes. Mas, impaciente, na verdade, vemos toda a Grã-Bretanha.
Uma nova era?
Quando os imperialistas americanos assassinaram Saddam, Gordon Brown disse que se tratava de um acto deplorável e completamente inaceitável. Palavras justas, sem dúvida, que ninguém deixou de notar. Agora, à frente do governo, é de esperar que organize, rapidamente, a saída das tropas britânicas do Iraque e o fim dessa estranha aventura em que a Grã-Bretanha se viu envolvida pela Casa Branca e pelos seus agentes. As pessoas, porém, ainda perguntam: «O que ficamos a fazer no Afeganistão logo que comecemos a sair do Iraque?» Mas, aí, a história é outra. Quem está lá a contar os mortos é a NATO, para além do povo afegão. Brown, todavia, já disse que as tropas britânicas, pelo menos nos meses próximos, não sairão daquele país. Estas histórias do Afeganistão só nos fazem recordar que houve uma revolução nesse país, há trinta anos. E, depois, o que aconteceu? Passou a ser proibido ao mundo falar em revoluções. Mas o povo das Ilhas britânicas confia em que o seu novo primeiro-ministro não será o valete de George W. Bush que Tony Blair foi. Mr.Brown, com efeito, só tem de se movimentar com sabedoria e cautela. Blair, já lá vai. E Bush tem os dias contados. O mundo do novo primeiro-ministro, político consumado e estratega reconhecido, é um mundo de oportunidades.
A herança de Brown
O trabalho de Gordon Brown na direcção estratégica da economia e das finanças da Grã-Bretanha, fez dele o Chancellor of the Exchequer que se manteve nesse importante lugar por mais tempo, desde há muito. Sem dúvida, ao longo destes dez anos e tendo produzido onze orçamentos, vai deixar ao seu sucessor uma economia forte caracterizada por um reduzido nível da inflação, baixas taxas de juros, uma longa época de crescimento económico. De um ponto de vista britânico, o seu legado centra-se em duas principais decisões: a concessão de uma certa independência ao Banco de Inglaterra e a manutenção do país fora da zona Euro. Foram estas duas medidas, assim como a criação de uma Comissão para a Política Monetária que regula a evolução das taxas de juros, aquelas que, nos últimos dez anos, mais contribuíram para que o crescimento e a estabilidade de toda a economia se mantivessem fortes. Muito do bom trabalho realizado na Tesouraria (Ministério da Economia e das Finanças) se deve, igualmente, ao Secretário de Estado, Ed Balls, um dos mais firmes colaboradores do novo primeiro-ministro e aquele que, possivelmente, lhe sucederá como Chanceler do Tesouro. Mas a época de Blair, que ontem acabou, ficou definida, também, como aquela em que a Tesouraria gastou mais de um bilião de libras por dia e recebeu do público, sob a forma de impostos, mais de um bilião de libras, diariamente. Um interessante aspecto da poderosa economia a que Mr. Brown presidiu, ininterruptamente, mas sempre invejado pelos testas-de-ferro do Fundo Monetário Internacional.
O novo governo
A constituição do novo governo, que só começou a ser formado após Gordon Brown ter sido chamado ao Palácio de Buckingham justamente com essa finalidade, tem esbarrado com problemas resultantes de o novo primeiro-ministro desejar apresentar um Executivo formado por «todos os talentos». O país ficou surpreendido com a proposta feita ao antigo líder dos liberais-democratas, Paddy Ashdown, para ocupar o lugar de Secretário de Estado na Irlanda do Norte. Paddy Ashdown, homem de mão dos serviços secretos, estava mortinho para voltar às luzes da ribalta na grande política. Mas o líder actual, Mr. Campbell, barrou-lhe esse caminho para que o seu Partido não ficasse enfeudado aos trabalhistas numa situação que se reflectiria, certamente, na batalha pelo poder que surgirá nas próximas eleições gerais. A Gordon Brown convinha atrair os liberais-democratas para o seu campo posto ser possível que não consiga a maioria absoluta nas referidas eleições.
O novo governo, portanto, será formado pelas grandes figuras do Partido Trabalhista. Por exemplo, Jack Straw, antigo Secretário de Estado do Foreign Office voltará a uma das principais posições, tal como David Milliband, que, actualmente, ocupa a pasta do Ambiente; Alan Johnson, um Secretário de Estado da Educação que tem tido êxito no seu trabalho; John Hutton, um jovem talento cuja acção simples e esclarecida e sempre isenta de controvérsias no Departamento das Pensões lhe tem conquistado simpatias; Yvette Cooper, que tem trabalhado na Tesouraria afirmando-se completamente leal a Gordon Brown; e Alistair Darling, outro membro da equipa que esteve com o novo primeiro-ministro desde a primeira hora. Também é de admitir que alguns dos candidatos ao lugar de número dois do Partido Trabalhista venham a fazer parte do primeiro governo de Gordon Brown. Estamos a referir-nos a Peter Hain, Jon Cruddas, Hillary Benn e Hazel Blears.
Entre os nomes internacionalmente menos conhecidos mas que Gordon Brown escolherá para os mais altos lugares governamentais, torna-se forçoso destacar Ed Balls, antigo jornalista e um dos seus principais colaboradores, que tem trabalhado junto do Banco de Inglaterra desde 1990 e como secretário de Estado para as questões económicas, na Tesouraria, há dois anos; Sue Nye (53 anos) a mulher a quem chamam a «porteira» e, igualmente, a «radioactiva», dado o seu temperamento de fogo, porque sem a sua aprovação ninguém consegue falar com Gordon Brown, a mulher que lhe apresentou Sarah, a esposa e mãe dos filhos, a figura que ajuda a suavizar as maneiras, às vezes bruscas, do primeiro-ministro e também contribui para que as discussões ministeriais sobre futebol abrandem a favor de outras que, verdadeiramente, interessam mais – as dos grandes temas governamentais; Douglas Alexander, jovem (39 anos), talentoso e brilhante secretário de Estado dos Transportes e, também, da Escócia, figura incontestável entre as que mais apoiaram Brown na longa estrada percorrida para substituir Blair e reencaminhar a Grã-Bretanha política, económica, social, histórica.
Uma história de escoceses
Foi a derrota dos trabalhistas nas recentes eleições autárquicas e a correspondente perda do poder na Escócia que precipitou a saída de Blair e mais cavou o fosso da sua desorientação e da sua perda de popularidade. No país de Walter Scott, os nacionalistas do SNP (Scottish National Party) conquistaram a posição de partido mais votado, pela primeira vez e, logo, o seu principal dirigente, Alex Salmond, se apressou a declarar que, dentro de dois anos chamará o país a votar a independência e a saída do Reino Unido. Isto, a verificar-se, constituirá uma hecatombe de proporções incalculáveis. Já estamos a ver todos os imperialismos do mundo correndo através da cidade mais austera da Escócia, Edimburgo, a velha, a histórica capital, gritando: «Para onde ides, escoceses? Respeitai as vossas responsabilidades perante o capitalismo!» Mas, Alex Salmond é um daqueles socialistas que merecem respeito devido a que não pertencem a nenhum diabólico Partido com esse nome. Salmond diz que os escoceses viverão melhor se não forem explorados pela City, por Washington ou pela União Europeia. E mostra-se disposto a trabalhar, como vimos, recentemente, com os patriotas irlandeses, tanto os da República como os do Ulster cujo vice-presidente do novo governo, em Belfast, se chama, simplesmente, Martin McGuinness. A partir de aqui, deixamos à imaginação de quem nos leia a descoberta de como poderão ser os dias de um amanhã talvez não muito longínquo. Os proponentes do capitalismo andam a dizer que o mundo mudou. Nós lhes diremos: o mundo vai mudar e a palavra revolução ninguém há-de proibi-la!
Um outro escocês, o inestimável, Gordon Brown, filho da moderadíssima mas cruel, às vezes, classe dos homens de leis, tão particular, tão única em Edimburgo, dessas tão distintas e britânicas pessoas que almoçam na Hanover Street e jantam em velhos e históricos castelos reconstruídos onde abundam os melhores vinhos franceses, talvez assuma o destino de dirigir a luta para que a União assinada em 1707 não se dissolva. Mas Salmond quer as receitas do petróleo do Mar do Norte e, recentemente, afirmou: «Tudo o que o SNP deseja é negociar uma solução final para os interesses dos escoceses que vivem no país». E Angus Robertson, director de campanhas do mesmo SNP, disse: «É perfeitamente razoável que um governo da Escócia queira alguma coisa dos rendimentos que Londres recebe originados pelo petróleo do Mar do Norte. No fim de contas, em trinta anos, os ingleses já receberam 200 biliões de libras e, segundo, as mais recentes consultas à opinião pública, 70% dos escoceses querem ver esta tendência invertida». A verdade é que está um governo de escoceses no Palácio de Holyrood. Um governo de escoceses que vivem muito do passado e querem vingar as humilhações sofridas ao longo dos séculos. Para onde vais, Gordon Brown? No fim de contas, também és escocês.
Tony Blair, subira ao poder num ambiente festivo e de considerável esperança no futuro após uma esmagadora vitória eleitoral que pôs fim aos governos conservadores de Margaret Thatcher e John Major. Mas acontecimentos de certo modo inesperados, como a guerra no Iraque em que fez mergulhar a Grã-Bretanha num conflito assassino que o seu povo não queria, deram-lhe uma impopularidade de quase desconhecido nível no país. O desdém e a forma rude como reagiu a essa impopularidade levaram-no a viver dias da mais ridícula defesa da sua aliança político-militar com George Bush, dias que ofenderam toda a Grã-Bretanha. Aos poucos, Blair perdeu a confiança do Partido Trabalhista, dos sempre influentes meios da comunicação social, dos Sindicatos e do povo. Tornou-se numa espécie de Richard Nixon britânico, a polícia a bater-lhe à porta por ter oferecido posições no pariato e na Câmara dos Lordes a quem fizesse donativos financeiros ao New Labour. Nunca, entretanto, perderia a confiança das entidades patronais nem a do governo de Washington. Tony Blair era e é, na verdade, um agente ao serviço do capitalismo. Serviu-o, diligentemente, e é por isso que o presidente americano o encarregou já de representar os interesses imperialistas ante os protagonistas dos conflitos no Médio Oriente. A pátria de Blair, um distinto ‘barrister’ no sistema judicial britânico, não é a Grã-Bretanha, isso está provado desde há muito. A sua pátria é o capitalismo.
Bye-Bye, Tony Blair!
Hostilizado no Partido Trabalhista, até por muitos que o acompanharam mas vinham desertando o seu campo, uns após outros, Blair, viu-se obrigado a inventar um programa de saída do lugar de primeiro-ministro em condições que não lhe tirassem os últimos vestígios daquela dignidade que se reserva, normalmente, a quem está no lugar de primeiro-ministro de um país como a Grã-Bretanha. Assim, nos últimos tempos, andou a visitar as tropas britânicas estacionadas em Bassorá e no Afeganistão, a dizer-lhes adeus entre sorrisos para as fotografias e para a televisão enquanto o país chora as baixas constantes de que o Ministério da Defesa lhe dá conhecimento. Todos os dias morrem soldados naqueles teatros de guerra. Mas ninguém vê Blair lamentar essas vidas jovens que tombam. Pelo contrário, acha que o sangue vertido pelas centenas de soldados que pereceram ou acabaram nos hospitais representa uma contribuição britânica justa e válida para que o capitalismo prossiga na sua marcha assassina e louca e faça das ruínas do Iraque uma florescente democracia num Estado de direito, o que, sinceramente, só nos pode fazer rir. Também visitou países africanos e passou à Conferência dos chamados G8 para acabar em Bruxelas diante dos representantes dos países da União Europeia.
A época de Blair
A época de Blair, cheia de um imenso espectáculo e de uma constante e profunda retórica, caracterizou-se, especialmente, por uma constante estabilidade no campo da economia, mas a especulação trabalhou à vontade, os bancos realizaram lucros astronómicos e o endividamento dos britânicos, chamados a participar nos festins do capitalismo, fica a ensombrar-lhes o futuro. Apesar de algumas realizações, como a paz na Irlanda do Norte, a implementação do salário mínimo e a constante defesa de meia dúzia das velhas cidadelas imperiais perante os assaltos da Comunidade Europeia, a criminalidade avançou de maneira revoltante, os serviços da saúde pública, atacados por mil companhias privadas, perderam eficiência e popularidade, a Escócia foi deixada resvalar mais para fora do controlo de Westminster, o fosso que separa os ricos dos pobres alargou-se, escandalosamente. Mas o tempo do mais jovem primeiro-ministro britânico desde lord Liverpool, ficará para sempre marcado pelas circunstâncias traiçoeiras em que empurrou o país para as guerras do Iraque e do Afeganistão e pelo desprezo que revelou quando, praticamente em peso, a Grã-Bretanha lhe disse que não queria essas guerras por saber que eram novas aventuras que o imperialismo impunha e só lhe trariam dor, assombro e morte.
Ainda no domingo, 24,em Manchester, quando as nomeações de Gordon Brown e Harriet Harman para os lugares de líder e de vice líder do Partido Trabalhista se formalizaram entre grandes ovações, uma enorme manifestação se apresentou no exterior do salão de conferências onde aquela cerimónia teve lugar. Eram milhares de pessoas que exigiam o repatriamento das tropas que lutam sem glória mas com enormes sacrifícios naqueles países. É que a Grã-Bretanha, ao contrário de Tony Blair, não esquece os seus mortos e teme pela sorte dos que permanecem. O país sabe, a classe trabalhadora sabe, toda a gente sabe que a guerra no Iraque é um crime contra a Humanidade. Mas Blair e Bush tratam os mortos com desprezo, ignoram-nos, distanciam-se.
Gordon Brown investido
no cargo de Primeiro-Ministro
Desde há muito que a Grã-Bretanha sabe que Gordon Brown sucederia a Tony Blair. Neste país, os políticos são eleitos em representação dos partidos. Logo, o mandato conferido aos trabalhistas nas últimas eleições gerais será mantido, ainda, por mais dois anos e meio. É por isso que não se realizarão eleições, apesar da campanha mistificadora dos conservadores liderados por David Cameron. E dado que o Labour continua a manter uma maioria absoluta de 67 deputados na Câmara dos Comuns, a rainha, ontem, só teve de perguntar: «Quem é, agora, o principal dirigente político do vosso Partido?» E tendo-lhe sido dito que era o advogado escocês, Gordon Brown, ela disse: «Muito bem. Então mandem-no cá ao Palácio». E foi mais ou menos assim que Mr. Brown foi investido no cargo de primeiro-ministro. Para muitos, Gordon Brown, representa o fim da fantasia, o reaparecimento de alguma estabilidade nas actividades governamentais. O povo britânico, que talvez preferisse uma figura mais risonha, mais rodeada de floreados, está na expectativa. Mas o advogado escocês promete um bom trabalho. A sua ambição consiste em desmontar por completo o circo de Blair e chamar os britânicos à luta por causas sérias e sólidas. Espera governar a contento do povo britânico de modo a poder apresentar-se nas próximas eleições já com obra feita. O teatro acabou. A partir de agora, quem quiser teatro vai ao Globe ou ao Old Vic ou, ainda, ao novo Estádio de Wembley. Entretanto, quem preferir teatro ininterrupto, todos os dias, todos os anos, mas com novos protagonistas, diariamente, que vá ao Old Bailey, ali em Chancery Lane, onde as peças em representação, sendo todas diferentes, são todas iguais. É o espectáculo da vida no maior tribunal deste país numa época difícil em que Tony Blair deixou as prisões completamente atestadas. O grande espectáculo do N.º 10 de Downing Street, já não tem público e, por isso, estão a desmontá-lo. Os Pickfords, das mudanças, já estão à porta a descarregar a mobília da família Brown que chegou de Edimburgo. A mulher, Sarah, e os filhos, pequenos, do novo ocupante da histórica residência, estão impacientes. Mas, impaciente, na verdade, vemos toda a Grã-Bretanha.
Uma nova era?
Quando os imperialistas americanos assassinaram Saddam, Gordon Brown disse que se tratava de um acto deplorável e completamente inaceitável. Palavras justas, sem dúvida, que ninguém deixou de notar. Agora, à frente do governo, é de esperar que organize, rapidamente, a saída das tropas britânicas do Iraque e o fim dessa estranha aventura em que a Grã-Bretanha se viu envolvida pela Casa Branca e pelos seus agentes. As pessoas, porém, ainda perguntam: «O que ficamos a fazer no Afeganistão logo que comecemos a sair do Iraque?» Mas, aí, a história é outra. Quem está lá a contar os mortos é a NATO, para além do povo afegão. Brown, todavia, já disse que as tropas britânicas, pelo menos nos meses próximos, não sairão daquele país. Estas histórias do Afeganistão só nos fazem recordar que houve uma revolução nesse país, há trinta anos. E, depois, o que aconteceu? Passou a ser proibido ao mundo falar em revoluções. Mas o povo das Ilhas britânicas confia em que o seu novo primeiro-ministro não será o valete de George W. Bush que Tony Blair foi. Mr.Brown, com efeito, só tem de se movimentar com sabedoria e cautela. Blair, já lá vai. E Bush tem os dias contados. O mundo do novo primeiro-ministro, político consumado e estratega reconhecido, é um mundo de oportunidades.
A herança de Brown
O trabalho de Gordon Brown na direcção estratégica da economia e das finanças da Grã-Bretanha, fez dele o Chancellor of the Exchequer que se manteve nesse importante lugar por mais tempo, desde há muito. Sem dúvida, ao longo destes dez anos e tendo produzido onze orçamentos, vai deixar ao seu sucessor uma economia forte caracterizada por um reduzido nível da inflação, baixas taxas de juros, uma longa época de crescimento económico. De um ponto de vista britânico, o seu legado centra-se em duas principais decisões: a concessão de uma certa independência ao Banco de Inglaterra e a manutenção do país fora da zona Euro. Foram estas duas medidas, assim como a criação de uma Comissão para a Política Monetária que regula a evolução das taxas de juros, aquelas que, nos últimos dez anos, mais contribuíram para que o crescimento e a estabilidade de toda a economia se mantivessem fortes. Muito do bom trabalho realizado na Tesouraria (Ministério da Economia e das Finanças) se deve, igualmente, ao Secretário de Estado, Ed Balls, um dos mais firmes colaboradores do novo primeiro-ministro e aquele que, possivelmente, lhe sucederá como Chanceler do Tesouro. Mas a época de Blair, que ontem acabou, ficou definida, também, como aquela em que a Tesouraria gastou mais de um bilião de libras por dia e recebeu do público, sob a forma de impostos, mais de um bilião de libras, diariamente. Um interessante aspecto da poderosa economia a que Mr. Brown presidiu, ininterruptamente, mas sempre invejado pelos testas-de-ferro do Fundo Monetário Internacional.
O novo governo
A constituição do novo governo, que só começou a ser formado após Gordon Brown ter sido chamado ao Palácio de Buckingham justamente com essa finalidade, tem esbarrado com problemas resultantes de o novo primeiro-ministro desejar apresentar um Executivo formado por «todos os talentos». O país ficou surpreendido com a proposta feita ao antigo líder dos liberais-democratas, Paddy Ashdown, para ocupar o lugar de Secretário de Estado na Irlanda do Norte. Paddy Ashdown, homem de mão dos serviços secretos, estava mortinho para voltar às luzes da ribalta na grande política. Mas o líder actual, Mr. Campbell, barrou-lhe esse caminho para que o seu Partido não ficasse enfeudado aos trabalhistas numa situação que se reflectiria, certamente, na batalha pelo poder que surgirá nas próximas eleições gerais. A Gordon Brown convinha atrair os liberais-democratas para o seu campo posto ser possível que não consiga a maioria absoluta nas referidas eleições.
O novo governo, portanto, será formado pelas grandes figuras do Partido Trabalhista. Por exemplo, Jack Straw, antigo Secretário de Estado do Foreign Office voltará a uma das principais posições, tal como David Milliband, que, actualmente, ocupa a pasta do Ambiente; Alan Johnson, um Secretário de Estado da Educação que tem tido êxito no seu trabalho; John Hutton, um jovem talento cuja acção simples e esclarecida e sempre isenta de controvérsias no Departamento das Pensões lhe tem conquistado simpatias; Yvette Cooper, que tem trabalhado na Tesouraria afirmando-se completamente leal a Gordon Brown; e Alistair Darling, outro membro da equipa que esteve com o novo primeiro-ministro desde a primeira hora. Também é de admitir que alguns dos candidatos ao lugar de número dois do Partido Trabalhista venham a fazer parte do primeiro governo de Gordon Brown. Estamos a referir-nos a Peter Hain, Jon Cruddas, Hillary Benn e Hazel Blears.
Entre os nomes internacionalmente menos conhecidos mas que Gordon Brown escolherá para os mais altos lugares governamentais, torna-se forçoso destacar Ed Balls, antigo jornalista e um dos seus principais colaboradores, que tem trabalhado junto do Banco de Inglaterra desde 1990 e como secretário de Estado para as questões económicas, na Tesouraria, há dois anos; Sue Nye (53 anos) a mulher a quem chamam a «porteira» e, igualmente, a «radioactiva», dado o seu temperamento de fogo, porque sem a sua aprovação ninguém consegue falar com Gordon Brown, a mulher que lhe apresentou Sarah, a esposa e mãe dos filhos, a figura que ajuda a suavizar as maneiras, às vezes bruscas, do primeiro-ministro e também contribui para que as discussões ministeriais sobre futebol abrandem a favor de outras que, verdadeiramente, interessam mais – as dos grandes temas governamentais; Douglas Alexander, jovem (39 anos), talentoso e brilhante secretário de Estado dos Transportes e, também, da Escócia, figura incontestável entre as que mais apoiaram Brown na longa estrada percorrida para substituir Blair e reencaminhar a Grã-Bretanha política, económica, social, histórica.
Uma história de escoceses
Foi a derrota dos trabalhistas nas recentes eleições autárquicas e a correspondente perda do poder na Escócia que precipitou a saída de Blair e mais cavou o fosso da sua desorientação e da sua perda de popularidade. No país de Walter Scott, os nacionalistas do SNP (Scottish National Party) conquistaram a posição de partido mais votado, pela primeira vez e, logo, o seu principal dirigente, Alex Salmond, se apressou a declarar que, dentro de dois anos chamará o país a votar a independência e a saída do Reino Unido. Isto, a verificar-se, constituirá uma hecatombe de proporções incalculáveis. Já estamos a ver todos os imperialismos do mundo correndo através da cidade mais austera da Escócia, Edimburgo, a velha, a histórica capital, gritando: «Para onde ides, escoceses? Respeitai as vossas responsabilidades perante o capitalismo!» Mas, Alex Salmond é um daqueles socialistas que merecem respeito devido a que não pertencem a nenhum diabólico Partido com esse nome. Salmond diz que os escoceses viverão melhor se não forem explorados pela City, por Washington ou pela União Europeia. E mostra-se disposto a trabalhar, como vimos, recentemente, com os patriotas irlandeses, tanto os da República como os do Ulster cujo vice-presidente do novo governo, em Belfast, se chama, simplesmente, Martin McGuinness. A partir de aqui, deixamos à imaginação de quem nos leia a descoberta de como poderão ser os dias de um amanhã talvez não muito longínquo. Os proponentes do capitalismo andam a dizer que o mundo mudou. Nós lhes diremos: o mundo vai mudar e a palavra revolução ninguém há-de proibi-la!
Um outro escocês, o inestimável, Gordon Brown, filho da moderadíssima mas cruel, às vezes, classe dos homens de leis, tão particular, tão única em Edimburgo, dessas tão distintas e britânicas pessoas que almoçam na Hanover Street e jantam em velhos e históricos castelos reconstruídos onde abundam os melhores vinhos franceses, talvez assuma o destino de dirigir a luta para que a União assinada em 1707 não se dissolva. Mas Salmond quer as receitas do petróleo do Mar do Norte e, recentemente, afirmou: «Tudo o que o SNP deseja é negociar uma solução final para os interesses dos escoceses que vivem no país». E Angus Robertson, director de campanhas do mesmo SNP, disse: «É perfeitamente razoável que um governo da Escócia queira alguma coisa dos rendimentos que Londres recebe originados pelo petróleo do Mar do Norte. No fim de contas, em trinta anos, os ingleses já receberam 200 biliões de libras e, segundo, as mais recentes consultas à opinião pública, 70% dos escoceses querem ver esta tendência invertida». A verdade é que está um governo de escoceses no Palácio de Holyrood. Um governo de escoceses que vivem muito do passado e querem vingar as humilhações sofridas ao longo dos séculos. Para onde vais, Gordon Brown? No fim de contas, também és escocês.